Poema


Dois gatos, numa grande discussão,
Qu’riam ambos um rato morto: «É meu!»
Dizia um. O outro dizia , «Não!»

Com o pelo eriçado e os olhos feios,
Olharam-se, assopraram, e um no outro
Enterraram as unhas, sem rodeios.

Mas uma gata velha, em vez de a açoite,
A golpes de vassoura sem demora
Pô-los ambos na rua, e «boa noite!»

Não, «boa noite» não, que estava frio;
Havia um vento de cortar a pele,
E, além disso, caía a neve a fio.

Com tanto frio esfriou logo o furor
Dos rivais, que já estavam com saudades
Da cozinha e o seu cheiro e o seu calor;

E, no degrau sentados, tiritando,
Lá fizeram as pazes, e, quietinhos,
P’ra onde estavam trataram de ir tornando.


 
In Poesia 1931-1935
Fernando Pessoa





Comentários

  1. Parece que Fernando Pessoa gostou dos seus gatos...


    Gato que brincas na rua
    Como se fosse na cama,
    Invejo a sorte que é tua
    Porque nem sorte se chama.

    Bom servo das leis fatais
    Que regem pedras e gentes,
    Que tens instintos gerais
    E sentes só o que sentes.

    És feliz porque és assim,
    Todo o nada que és é teu.
    Eu vejo-me e estou sem mim,
    Conheço-me e não sou eu.

    Fernando Pessoa

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