A História da Vermelhinha.


           

  Há muito tempo, há cerca de 480 milhões de anos, mais ou menos quando surgiram as plantas terrestres, surgiram também os primeiros bichinhos da Terra, que ainda tinham nomes muito estranhos. 

 Odonata(libelinha),Ortóptera(gafanhoto,grilo),Lepidóptero(borboleta),Díptero(mosca),Hemíptero(percevejo),coleóptero(besouro),Himenóptero(abelha,vespa,formiga) eram os nomes dos muitos insetos, uns mais coloridos do que outros.

  Os gafanhotos eram verdes, as formigas, os grilos e as moscas eram pretas, uns tinham muitas patinhas, outros tinham carapaças e alguns até aprenderam a voar.
   Ora, havia um particularmente colorido, com uma carapaça vermelha e muito brilhante. Como podia ser vermelha, se vivia no verde das folhas das árvores? Sim, o problema era mesmo esse, enquanto os outros insetos se escondiam facilmente por entre as cascas das árvores, ou dos ramos verdes, esta bolinha redondinha assustava todos os insetos com o seu vermelho garrido.

- Olá, como te chamas? – Perguntou a Vermelhinha com simpatia.
- Bzzzbzzzbzzz - Respondeu-lhe uma libelinha assustada, voando para longe.
  E era assim com todos, sempre que a Vermelhinha se aproximava, ouvia-se um «bzz» ou «thzz» assustado, uns voavam, outros apressavam as mil patinhas velozes e num instante todos se afastavam.
- Já sei! – Vou esconder-me entre as bagas deste pilriteiro e esperar algum amigo que queira conversar comigo! – Não vou desistir! – Pensou determinada a Vermelhinha.
  Pelo Outono, o pilriteiro cobre-se de lindos frutos avermelhados de um colorido intenso. No meio das folhas verdes, a Vermelhinha avistou um grupo de pulgões numa grande cantoria. Os pulgões são insetos parasitas, que se alimentam da seiva das plantas. Mal a avistaram gritaram bem alto uns para os outros:
- Perigo, perigo … fujam que é a Vermelha!
Mais uma vez, a Vermelhinha ficou só, pensando, que mal teria a sua cor!? Ouviu o sussurrar das folhas do pilriteiro, que diziam umas para as outras:
- Ela chegou mesmo a tempo, estava cheia de comichão ... já nem sentia o oxigénio…
- E eu… já estava com as minhas nervuras em franja!
Uma das folhas, com um sussurro mais longo, explicou:
- Os pulgões e os outros insetos fogem da sua cor, livrando-nos das pragas… assim, já podemos respirar melhor… são muito solitárias e passam o dia à procura de alimentos. 
- Eu solitária? – Pensou intrigada a Vermelhinha – Eu quero ter amigos!      
  Voou, desta vez até aos ramos de um azevinho, que carregado de bagas, também vermelhas, fazia desaparecer a Vermelhinha por entre as folhas recortadas. Eram tantas as bagas e pareciam-se tanto com a Vermelhinha, que poder-se-ia dizer que eram todas irmãs. Pôs-se à escuta… 
Estas bagas poderiam ser as suas amigas!  Começou a chamar:

- Bagas, ei, ó bagas! Respondam-me! Há muito que não tenho amigos e estou a sentir-me muito só! 
Nada, nem um sussurro se ouvia, apenas um risinho fininho, aqui e ali ... e ela continuou:
- Bagas, respondam… eu sei que me ouvem ... eu sei que estão a rir de mim ... - A Vermelhinha começou a chorar de tão triste que estava.
- Que queres, que foi, que somos tão lindas!  E começaram a cantar afinadinhas, por entre risinhos musicais:

«Joaninha, Joaninha,
Ela é tão vermelhinha,
Voando coradinha,
Ela é uma boa vizinha!»

Não paravam de rir e de cantar, nem para ouvir a pergunta da Vermelhinha:
- Quem é a Joaninha? Quero conhecê-la! Quero muito fazer amigos! Parem!... Estou a ficar tonta com a vossa cantoria! Quem é a Joaninha!? – Gritava já desesperada.
- És tu! – Ouve-se uma voz trémula, espreitando por de entre as bagas barulhentas.
- Eu? ... e ... e ... quem és tu?
- Tu és a Joaninha!
- Onde, onde está a Joaninha? Quero conhecê-la! – Limpa as lágrimas, estica o pescoço e as patinhas, dá duas voltas sobre si mesma, mas só vê os dois olhinhos brilhantes, escondidos entre a folhagem.
- És tu, tu mesma, disfarçada de baga de azevinho – Volta a responder a voz, agora mais impaciente.
 A Mosca estava cheia de medo, afinal a sua avó ensinou-lhe a temer as joaninhas. Ela dizia, que as moscas pequeninas têm de se proteger dos perigos. Dizia que, moscas e pulgões eram o prato preferido das joaninhas e que algumas até eram venenosas. Dizia, que as joaninhas pertencem à ordem Coleóptera, assim como os besouros, e à família Coccinellidae, todos eles caçadores de pragas das folhas das árvores. E agora estava ali uma joaninha, mesmo à frente dela! E a perguntar quem é a joaninha! É ela, a Joaninha, é mesmo ela!
- Tu comeste alguma baga de azevinho e estás tonta, é isso!? Perdeste o juízo!? – Atreveu-se a perguntar a Mosca num risinho irónico.
- Eu? Eu sou uma joaninha!? – Perguntou como se tivesse visto ao espelho pela primeira vez.
- Acho que sim, bem ... pareces ser ... mas agora que te olho melhor .. deixa ver ... não te aproximes! Eu vejo bem daqui! Sim ... és vermelha, tens exoesqueleto quitinoso...
-Esqueleto...Exoesqueleto quitinoso? – Admirou-se ela.
 - Sim, carapaça para te proteger ... ai, quem me dera ter! Se eu também tivesse ... e és tão bonita! – Suspira a Mosca que já se imaginava com o seu exoesqueleto quitinoso reluzente, protegida de todos os males.
- Bonita? Como!? Não tenho amigos e todos fogem de mim ... - Quase chora de novo a Joaninha. – Sempre que quero conhecer um amigo, acabo a falar com as folhas das árvores ...
Agora desatou mesmo a chorar, ficando ainda mais vermelha, o que assustou ainda mais a Mosca que, numa atitude defensiva, voa para um ramo o mais afastado possível.
- Estás a ver ... estamos a falar há dois segundos e já foges de mim ... e dizes que sou bonita!? – Soluça ainda mais a Joaninha.
- Desculpa, mas eu contei dez minutos...1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e olha que, se a minha avó soubesse que estou a falar com uma joaninha, levava um grande ralhete! – Responde-lhe a Mosca, lá do alto do ramo e olhava o ramo ainda mais alto para onde voar, porque as joaninhas também têm asas.
 - Ouve, tu não tens opinião? Tens de estar sempre a dizer o que pensa a tua avó? – Recupera o ânimo a Joaninha, num tom desafiador. – Podes ajudar-me a encontrar uma solução para este meu problema? Afinal, eu só quero ter amigos! ... E tu podes ser a minha primeira amiga ... Podes? ...
 A Mosca ficou pensativa, com os olhitos cada vez mais abertos, numa mistura de medo, mas também de coragem.
- Não sei bem... as moscas pensam devagar... pensar e falar ao mesmo tempo, é difícil! - E ficava com os olhos cada vez maiores.
 Sem terem reparado, tinha-se aproximado um velho moscardo, que escutava atento toda aquela situação e diz com uma voz lenta e grave:
- Nunca vi uma joaninha e uma mosca serem amigas ...
   O Moscardo conhecia os caminhos da vida, assistia a muitas guerras de insetos, sabia que cada um devia seguir o seu caminho. Notava-se que estava pensativo e preocupado.
- Todos sabem, que as joaninhas comem moscas e pulgões... e dizem que essa cor vermelha é por ser venenosa...é tão venenosa como as bagas do azevinho…
- Eu não sou venenosa! ... Eu não como as moscas! Bem... às vezes, como os pulgões, porque as folhas me pedem! Do que gosto mesmo é do mel e das cascas das árvores... mas nem o mel posso comer, porque as abelhas ficam zangadas... e acho que é por eu ser vermelha! Só mesmo...só mesmo... as folhas gostam de mim!
      A Joaninha desabafou durante muito tempo. O tempo que precisava para poder sentir-se um bocadinho menos triste. Ah! Como gostaria de ser menos bonita, mas mais feliz...
    Nisto a Mosca consegue finalmente falar aos soluços, pois estava comovida:
- Eu… Eu acho que posso ajudar… se a Joaninha não fosse tão vermelha… se fosse um pouco menos garrida, talvez, talvez…
     E nisto, num voo rápido, depositou sete pintas pretas nos élitros vermelhos, isto é, na carapaça vermelha e brilhante da Joaninha.
    Tudo aconteceu num fim de tarde morno de outono, quando todos os insetos saem das cascas da árvores protegidos dos raios fortes do sol, quando o sol vai lento à procura da lua para a cumprimentar. Podia ter sido o efeito suave da luz do sol, podia ter sido das pintas novas da Joaninha, o certo é que naquele azevinho juntaram-se muitas cores de insetos, para admirarem a sua beleza. Num coro afinadinho cantavam as cigarras enquanto os moscardos faziam voz grossa de tambor. Eram muitos os sons harmoniosos, numa mistura de ritmos e de compassos, transformando o azevinho numa sinfonia. 


Nesta Terra, nesta Terra colorida,
Voa amarela a abelha,
A tropeçar na mosca aselha,
Redopiando em azul e lilás,
Pois a mim tanto me faz.

Nesta Terra, nesta Terra colorida,
Roda, roda o escaravelho,
Que ainda não tem espelho,
Assim ninguém se assusta,
Quando usa a saia justa.

Nesta Terra, nesta Terra colorida,
Dança às voltinhas a Libelinha,
À conversa com a vizinha
Formiga negra ou castanha,
Assim, ninguém estranha
A cigarra na cantoria.
Todos em grande euforia!

Nesta Terra, nesta Terra colorida,
Entre folhas tão brilhantes,
E de asas cintilantes,
Vê-se um pouco de vermelho
Com pintinhas, o escaravelho?
Afinal, em frente ao espelho
Vemos todas as cores,
Com formas divertidas,
Desde as claras,
Às garridas!




 Cantaram e dançaram durante muito tempo, sem perceberem que a Joaninha havia partido do azevinho. Tinha ido procurar mais amigos, queria mostrar a todos as suas pintas redondas e mais importante do que isso, queria poder ajudar outras folhas a livrarem-se dos pulgões. Nesta nova etapa, a Joaninha foi aprendendo sempre coisas novas: que gostava também de estar só a ouvir o regato cantar, ou o sussurro das folhas agradecidas e às vezes até gostava do silêncio... Com o silêncio, ela podia pensar, perceber, com calma, aquilo que a tornava cada vez melhor...
                                      

                              Histórias Inéditas da Criação do Mundo
                                                                            Por Frederica Cascão

     Consegues imaginar as novas histórias vividas pela Joaninha?
    Assiste a este pequeno vídeo e deixa a tua imaginação voar …





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