A Catarina Flecha


Este texto, inacabado, teve início no fim do ano letivo de 2018, quando os 90 minutos de aula pareciam infindáveis para muitos alunos e a professora tinha de sistematicamente reinventar a aula. Este texto foi escrito com base numa de tantas "Catarinas", quando ainda tínhamos aulas presenciais. 
Encontrei-o ao remexer nos habituais registos e relatórios, O facto de não estar terminado, sugere-me o desafio:
" - Queres terminá-lo tu?"


A História da Catarina Flecha
     A Catarina é uma rapariga apressada. Quando está num sítio, sente que deve estar num outro. Isto começou há uns anos, quando a Catarina percebeu que tinha tanto, mas tanto para aprender, que não podia perder tempo. É uma questão de hábito, já que aprender tornou-se para ela viciante, nunca ficava satisfeita com os saberes colecionados. É isso, a Catarina tornou-se uma colecionadora de conhecimento!
    Desde pequena que era curiosa e traquina, o que proporcionou muitos ais e uis dos pais, dos avós, dos tios e afins. Por ser traquina e por ser curiosa, atravessavam-se muitas vezes no seu caminho complicações inesperadas, que graças à vigilância dos cuidadores atentos, se iam transformando em aprendizagens cada vez mais complexas. Tudo corria bem à Catarina, até chegar à escola, onde deveria permanecer sentada e quieta. Mas a Catarina era apenas uma criança e tudo lhe era desculpado, por ser traquina e curiosa. E a Catarina cresceu depressa, aprendeu, mas não aprendeu a ficar quieta e sentada.
    As opiniões dividiam-se: para uns ela era uma jovem rebelde, para outros um génio incompreendido, e alguns viam nela apenas uma adolescente à procura de um sentido existencial. Na escola era complicado, porque como era muito rápida, os professores e muitas vezes os colegas, não compreendiam que o Tempo era relativo, tal como tinha aprendido sobre a Teoria da Relatividade Geral publicada por Albert Einstein em 1915. Sim, porque até as datas ela tinha fixado. Einstein era um génio, pensava, como gostaria de poder ir mais além, como avançar no conhecimento da Gravitação Quântica, desafio absoluto que abarca todas as interações nos domínios micro e macro cósmico. Eram estes os momentos em que ninguém a via a mexer uma pestana sequer, apenas os dois olhos e a camada de células receptoras sensoriais, focalizando cada imagem, processando estímulos e enviando-os ao córtex cerebral. Resumindo, a Catarina estava em frente ao monitor do seu tablet, processando informação, à procura de respostas para o enorme buraco negro do conhecimento.
    Foi assim que a encontrei a um canto da sala, escondida entre os colegas da turma e a mochila estrategicamente colocada em cima da mesa. Longe de mim saber do seu entusiasmo sobre a Teoria da Relatividade e da Física Quântica. Na sala, o burburinho do primeiro dia de aulas, onde todos falam e ninguém diz nada. Eu só pensava na maneira de transformar tanta energia, em organizar aqueles momentos que só a Escola sabe juntar, em transformar vontades numa só, em ensinar a aprender. 
    Finalmente levantou os olhos e mexeu-se violentamente na cadeira:
- Que seca, ainda falta muito para tocar? – pergunta desafiante, fixando-me o olhar.
- Não ligue stora, ela é sempre assim! Só quer estar onde não está! - responde a Mariana, que no ano anterior tinha sido a delegada de turma e estava habituada a ser a porta-voz. Não liguei e brinquei dizendo que até havia uma canção que falava disso mesmo, de António Variações. Conheciam e pediram logo que ligasse o YouTube para ouvirem e já queriam mostrar-me outras músicas, que mesmo nada tendo a ver com o que falávamos, tinham significado para eles. Depressa passaram os noventa minutos e a aula de apresentação, onde mais uma vez, falei mais eu do que eles, ou pelo menos, pensei que o fiz, apesar de ter iniciado a aula com vontade de os ouvir. Tocou. Saíram com sorrisos e pequenos comentários sobre mim, uns mais atrevidos, outros contidos, mas a Catarina não olhou para mim e saiu da sala à velocidade da luz.    
    Aquela imagem não me saía da cabeça, também eu tinha uma espécie de curiosidade apressada em perceber aquela rapariga. Não se consegue conhecer alguém com pressa, eu sabia que iria demorar algum tempo até conhecer os meus alunos. Quatro turmas de vinte e cinco alunos, alguns alunos em horas de apoio ao estudo e tantas outras tarefas especializadas, mas nada especiais, alternavam nos meus pensamentos.
    Voltamos a mais uma aula, a segunda, entre barulheira, agitação, lá se foram sentando todos. Li-lhes o sumário e perguntei-lhes o que esperavam daquela aula, que tinha como objetivo conhecer a poesia medieval e alguns escritores galaico-portugueses.
- Uma seca! - ouviu-se uma voz determinada por detrás da mochila.
Gerou-se a discussão. O que me irrita nestas discussões é que nunca há consenso, apenas servem para chegar a conclusão nenhuma, nada daquilo lhes interessava, disso não tinha dúvidas. Tentei convencê-los de que o conhecimento não pode cingir-se ao gosto de cada um, ou acabaríamos estagnados em nós próprios. Atrevi-me a perguntar à Catarina o que pensava, já que se manifestava irrequieta na cadeira.
- Por mim, cada um estuda como quer, onde quer e sobre o que gosta! – disse como se afirmasse uma verdade absoluta.
Houve um clamor a estas palavras, como se todos pensassem como ela! A este desafio, atrevi-me a responder com outro:
- Então, estás livre para ocupares esta aula como achares melhor! – Olhamo-nos desafiantes e a Catarina saiu da sala sem hesitar. De entre as reclamações, um dos colegas…

(Texto inacabado, de uma professora sem tempo e com a mesma pressa da Catarina!)

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