A Catarina pelo olhar da Sara

 

Lembram-se da história da Catarina, aquela rapariga apressada? 

O texto inacabado foi agora terminado pela Sara, que conseguiu ver a Catarina de uma forma particular. A Sara é a nossa vencedora!
Ora leiam:

  - Então, estás livre para ocupares esta aula como achares melhor! – Olhamo-nos desafiantes e a Catarina saiu da sala sem hesitar. De entre as reclamações, um dos colegas disse que isso não era justo, porque todos tinham o mesmo direito, ou seja, se foi permitido à Catarina estar livre para fazer o que achasse melhor, todos deveriam estar! Tive de ser ainda mais firme, e contrariamente ao que gosto de fazer, logo na segunda aula, disse que quem abrisse a boca sem ser chamado a tal, receberia uma falta disciplinar. A barulheira transformou-se em silêncio absoluto e, embora contrariados, todos ouviram o que eu tinha a dizer na aula e alguns no final até vieram pedir desculpa. Mas a Catarina e a sua atitude incomodaram-me bastante. O que poderia fazer eu? Como iria enfrentá-la na próxima aula? Deveria castigar a atitude dela, denunciar o seu comportamento, ou tentar conversar com ela? Estas perguntas perseguiram-me toda a noite e não consegui dormir. Decidi que iria tentar saber mais sobre ela, com objetivo de a motivar a gostar das minhas aulas.

    Em conversa com a minha mãe, ela contou-me que tinha tido um aluno tal e qual a Catarina, que foi apelidado de “flecha” e que ninguém sabia lidar com ele, até que foi expulso da escola (outros tempos...). Ela, tal como eu, ficou na altura muito perturbada, pois achava que o Pedro era incompreendido, e que precisava de acompanhamento especializado e boa orientação, mas como não existiam meios para tal, ela decidiu fazer tudo o que estivesse ao seu alcance. Contactou a mãe dele e percebeu que esta cuidava do Pedro sozinha, com mais 6 filhos (tinha ficado viúva muito cedo). Ofereceu-se para os ajudar, pois imediatamente compreendeu as dificuldades daquela família. A mãe, que desejava muito que o seu filho mais velho ajudasse nas contas da família, agradeceu, mas disse que como ele já sabia ler e escrever e que agora era tempo de trabalhar para ajudar nas despesas da casa. A minha mãe teve de ser rápida na solução e não hesitou em contratá-la para trabalhar na quinta dos meus avós na apanha da fruta. 

    Dia após dia, toda a família passou a conhecer melhor o Pedro “Flecha” e a afeiçoar-se a ele, em especial o meu avô. Das longas conversas que tiveram, passou-lhe o gosto e curiosidade por Einstein, e pela Teoria da Relatividade, a ponto de ele ter feito uma espécie de livro secreto, onde explica tudo o que descobriu sobre o assunto. O facto é que Pedro tornou-se num adulto responsável, culto, e embora nunca mais frequentasse a escola, tinha uma cultura geral muito acima da média, em especial porque adorava ler.

    Depois de ouvir a minha mãe, refleti bastante e cheguei à conclusão que tinha de tentar saber os interesses da Catarina, pois se encontrasse algum ponto em comum, talvez a conseguisse cativar e tornar as minhas aulas mais interessantes para ela. E chegou o dia da terceira aula, confesso que estava muito nervosa, mais do que na primeira, mas tentei disfarçar ao máximo com um sorriso nos lábios, dizendo:

- Bom dia a todos! Hoje, e para compensar a última aula que foi para todos uma verdadeira seca, tenho um desafio a propor – os olhos de todos, exceto da Catarina, fixaram-se em mim. 

- O desafio é o seguinte: durante esta aula, cada um de vós vai escrever um texto livre, sobre a pessoa que mais admiram e explicar as razões.

- Qualquer pessoa? – Interveio imediatamente a Catarina.

- Sim, pode ser alguém da família, amigo, ou até um ator, artista, escritor, cientista, sei lá, alguém que admirem realmente.

   Surgiram várias questões de outros alunos, nomeadamente: quantas linhas, que tipo de texto, número mínimo de palavras, etc, mas à Catarina nunca mais ninguém a ouviu! Como se tivesse ficado anestesiada, deixou de mexer uma única pestana, apenas os dois olhos focados no papel e a mão escrevia rapidamente sem parar. Fiquei aliviada, mas ao mesmo tempo apreensiva e curiosa pela leitura daquele texto.

   A aula terminou e, um a um, todos vieram entregar o trabalho apressados por sair, menos a Catarina, que continuava a escrever! Esperei calmamente sentada na minha secretária, até porque era a minha última aula do dia e tinha tempo. Tocou novamente e a Catarina, como se tivesse acordado, deu um pulo da cadeira, entregou o trabalho e saiu apressada como sempre, sem olhar para mim e sem dizer nada. Sem perder tempo, olhei para o título do texto e fiquei completamente perplexa! “Pedro, o pequeno Einstein” - de imediato comecei a ler o texto da Catarina e as lágrimas começaram a correr-me pela cara, descontroladamente, chorei tanto, como já não me lembrava. Foi assim que descobri, que a Catarina Flecha era na verdade a filha do Pedro Flecha, e que tinha herdado do pai a inquietude, inteligência, avidez de conhecimento e gosto incessante por Einstein, a quem o pai deixou religiosamente entregue o seu livro secreto no leito da sua morte, há pouco mais de um ano.

    O texto estava irrepreensível na escrita, mas o seu conteúdo era absolutamente fantástico, repleto de aventuras, descobertas e com um final muito emotivo, onde a Catarina consegue expressar tão bem em palavras a dor da perda do pai.

    Agora, tinha encontrado verdadeiramente um ponto em comum com a Catarina, e quão forte era este ponto! Fiquei ansiosa pela próxima aula.

   Eis que chegou a quarta aula e, como sempre, o barulho e desorganização reinavam na sala:

– Bom dia a todos! – exclamei em voz alta. Escrevi o sumário no quadro e enquanto eles passavam para os cadernos, murmurei ao ouvido da Catarina que no final da aula gostava de falar com ela.

- O que fiz desta vez?! – reclamou imediatamente.

- Fizeste um excelente trabalho, é sobre isso que eu quero falar contigo – respondi. Pela primeira vez, esboçou um sorriso e calou-se.

   No final da aula, tivemos uma boa conversa e contei que, ao ler o seu texto, percebi que o pai dela tinha sido aluno da minha mãe, e que ele era muito amado e querido pela minha família materna.

   A partir desse dia, nasceu uma nova Catarina, pelo menos nas aulas de Português, pois os colegas continuavam a dizer que não conseguiam perceber se ela era um génio ou uma rebelde. Mas, nas minhas aulas, surgiu uma Catarina empenhada e trabalhadora, mantendo sempre a velocidade de uma flecha!


                                                                    Sara Machado Pimenta

 

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